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Uma solução para o superendividamento

A estabilização da moeda, o pleno emprego e a facilidade de crédito ampliaram o poder de compra não apenas das classes C e D dos brasileiros, mas a da população como um todo. Desde equipamentos eletrônicos de última geração até veículos novos e o sonho da casa própria se tornaram uma realidade presente na vida do cidadão brasileiro.

Porém, tão certo como o crédito passou a fazer parte do imaginário comum do brasileiro, a consequência também passou fazer parte da rotina de milhares de pessoas: o superendividamento. Praticamente na mesma proporção que se consegue o crédito, a população vem se endividando cada vez mais, seja de uma forma ativa – gastando mais que pode – seja de uma forma passiva, na qual fenômenos alheios à vontade do tomador do crédito levam à falta de pagamento.

Assim, trocando em miúdos, o superendividamento nada mais é do que o comprometimento do devedor com uma série de compromissos de pagamento, cujo atraso em qualquer das parcelas aumenta a dívida numa proporção muito maior do que a de seus ganhos. Essa famosa bola de neve faz com que o devedor acabe tomando novos empréstimos (os chamados “papagaios”), com o propósito de pagar parte das dívidas antigas. Havendo uma única inadimplência nos cadastros de maus pagadores, o crédito global do devedor é suspenso em cascada, impedindo-o de adquirir novos empréstimos ou comprar à prestação. Seus cartões de crédito são cancelados, seu cheque especial é rescindido e não há alternativa para a obtenção de empréstimos a não ser junto a parentes ou no mercado informal (com agiotas).

A situação pode levar o devedor a ser réu num sem número de processos judiciais, que disputam entre si o patrimônio familiar do devedor, e praticamente eterniza seu nome e CPF com o carimbo de “mau pagador” por muitos anos, e até décadas.

O tema é motivo de preocupação em todas as esferas, e as possíveis formas de se evitar ou amenizar o superendividamento vêm sendo discutidas inclusive no âmbito legislativo; todavia, sem uma solução mais concreta que não seja, a título sugestivo, a renegociação das dívidas na forma de mutirões. E como evitar, com os instrumentos legais atuais, a eternização do superendividamento? Existe um prazo concreto para que a pessoa endividada veja uma “luz no fim do túnel”?

Um caminho que sempre existiu ou que existe desde épocas em que nem se cogitava o tema do superendividamento, mas é pouco difundido, é o ajuizamento, pelo superendividado pessoa física, de uma ação declaratória de insolvência civil. Essa ação está prevista expressamente no Código de Processo Civil, com todos os requisitos e procedimentos nos artigos 748 e seguintes.

O pedido de declaração de insolvência pode ser requerido pelo próprio devedor, além do credor quirografário e do inventariante devedor falecido. O único requisito extrínseco é que as dívidas excedam o valor da totalidade de bens do devedor.

Se acolhido o pleito do superendividado, o juiz proferirá uma sentença decretando sua insolvência, a qual terá as seguintes consequências iniciais: o vencimento antecipado de suas dívidas; a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo e a execução por concurso universal dos seus credores. Após isso, o juiz responsável nomeará um administrador da massa de bens e procederá com a decretação de que todas as execuções individuais contra o devedor, inclusive trabalhistas e com exceção das fiscais, sejam remetidas ao juízo da insolvência.

Num primeiro momento, já se verifica uma grande vantagem ao superendividado, de ver todas as suas dívidas (vencidas e a vencer) tratadas num único processo, e as execuções contra ele, para a cobrança de dívidas, tramitando perante um único juízo – o da insolvência. E também há uma estabilidade jurídica atrelada ao evento, não apenas para o devedor, como também para os credores, que terão seus direitos de preferência resguardados e o conhecimento sobre todo o patrimônio disponível.

Importante precedente foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto à reunião dos processos de execução perante o juízo da insolvência, em setembro de 2013, no Conflito de Competência Nº 130.471. Foi decidido que o juízo da insolvência deveria reunir não só as ações de cobrança cíveis e bancárias movidas contra o devedor, mas também as ações trabalhistas.

Vale lembrar que o salário da pessoa é impenhorável, podendo viver normalmente até a extinção de suas obrigações decorrentes da insolvência judicial declarada. Caso não seja um assalariado, pode, inclusive, solicitar que se faça uma reserva mensal dos frutos de seus bens, a título de pensão, até que se proceda a liquidação de todos os bens no decorrer do procedimento.

A declaração de insolvência civil acarreta na extinção das obrigações do devedor decorrido o prazo de cinco anos, contados a partir do encerramento do processo de insolvência, ficando este obrigado pelo saldo em aberto, após liquidada a massa, somente até a concretização de tal prazo de cinco anos.

Veja-se que não se trata de uma forma de burlar o pagamento aos credores, tanto que a Lei expressamente prevê o procedimento, o qual acarreta inclusive na arrecadação de todos os bens do devedor presentes e futuros, respeitado o prazo mencionado. Mas sim uma forma de estancar a eternização das dívidas e o consequente, por muitas vezes, fim da vida da pessoa como cidadão.

Desta forma, até que os incessantes debates sobre o superendividamento se convertam em medidas efetivas, a insolvência se apresenta como uma alternativa, de acordo com os mecanismos legais atuais, cujo escopo é evitar, com um prazo bem delineado, a eternização do superendividamento, favorecendo tanto credores como os próprios devedores.
Nota do Editor: Gustavo César Terra Teixeira é formado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, especializado em Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB, em Administração de Contencioso de Massa pela GVe e Diretor Técnico de Direito Bancário, Cível e do Consumidor da Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados.

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